Livro tem gosto, tem cheiro

A minha experiência mais remota com leitura e escrita está lá no meu passado, na 5ª série, lá  pelos idos de 1977. Minha professora de Língua Portuguesa era maravilhosa, delicada, falava manso e nos tratava com um carinho de mãe, mesmo! Lembro-me do seu perfume, quando ela passava para vistar nossos cadernos.

Numa certa ocasião, ela colocou o nome de um livro na lousa, Heide, da escritora Johanna Spiry.  Na época, meu pai estava desempregado e nós estavámos passando por grandes dificuldades, mas eu tinha que ler o livro para fazer uma prova, então fiquei  com medo de dizer que era preciso comprar o livro. Lembro-me de que as coisas eram bem mais difíceis; não tínhamos o acesso que temos hoje à leitura e a biblioteca ficava em outro bairro ( mais dinheiro para pegar o ônibus!). Tudo era muito difícil e eu, só com 11 anos, o que poderia fazer? Restou-me ir à biblioteca de ônibus, sozinha, para ler o livro lá e não ter que voltar mais vezes para não ter que gastar mais dinheiro.

No entanto, ao começar a ler o livro , que falava de uma menina órfã que teve que viver com um avô carrancudo e aos poucos o foi conquistando, me identifiquei com as dificuldades dela, que apesar de tanto sofrimento, era uma menina feliz.  O cenário da trama eram os alpes suíços, uma velha cabana, cabras, feno...tudo isso rodeado pelo aroma de comida caseira, que ela teve que aprender a fazer, ainda tão pequena.

Lembro-me das sensações olfativas que o livro me causava, das paisagens que iam se construindo em minha cabeça; podia sentir até o gosto do café que eles tomavam juntos, da comida, o cheiro do feno, das cabras...era maravilhoso viver naquele mundo de Heide e seu avô.

Essas lembranças estão vivas em mim; eu degustei aquele livro tão sensível, que falava de uma cultura que não era minha, mas foi vital para minha experiência como criança leitora. Agradeço aqui minha professora Joaninha, que me iniciou no mundo dos livros de forma tão delicada, como só ela soube ser para mim.

                                                                                     Maria Cristina Martinelli